quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O computador tem memória, o homem recordação




Recordações do homem sem merecimentos - Analice Alves

De fato, não merecia muita coisa. As minhas impressões digitais nos cabelos dela era o máximo que ela poderia ter de mim. Não que eu tenha me tornado um homem inescrupuloso, sem caráter ou com personalidade demais. Tornei-me um homem rude, de pouca fala e muita mania. Nunca fui egoísta e, sinceramente, ela não merecia o amor que durante tanto tempo depositei nela, não merecia o desespero que eu senti quando a vi beijando um homem mais bonito e rico que eu. Vendo as fotos, até soa engraçado. Como os sorrisos daquela miserável eram falsos, como ela teve coragem de me fazer feliz, de me jurar amor eterno. Eu era feliz, eu tinha a minha vida simples e humilde, mas era feliz. Não chorava como choro hoje: todos os dias. Conseguia ficar meses sem derramar uma lágrima, sem reclamar da vida, do salário, dos políticos, do dólar lá embaixo, isso, simplesmente, porque eu amava e, por isso, era feliz. Rasguei todas as cartas, mas tenho todas decoradas na memória. Tinha uma caixinha de sapato com tudo o que aquela vadia me deu. Aqueles bilhetes que ela me dera certa de que eu não guardaria. Aquela foto 3x4 horrorosa, ela com cara de morta, branca, combalida, mas naquela época, magnífica pra mim. Coloquei fogo em tudo. Fogo mesmo. Evitei rasgar apenas. Deixei a preguiça de lado e acendi a lareira. Joguei a caixa toda, sem dó nem piedade, e pra completar, ainda dei uma gargalhada de vilão mexicano. Depois do ritual, tomei um banho, lavei meu corpo sujo de tanto contato com aquela piranha. Lá se foram as possibilidades de lembrança.