domingo, 20 de dezembro de 2009

Caminha dura

- Analice Alves

Eu não sei se, na verdade, vale a pena
Viver de amor sem nem saber pra quem se dar
E me fazer tão miúda e tão pequena
Em teu colo feito pássaro sem lar

Olha, meu amor, o meu olhar
É parecido com estrela vagarosa
Que num céu bem sorrateira e preguiçosa
Sem dor ao sol cede o seu lugar

Esse mundo é todo seu, me disse um dia
Sem me avisar que junto dele não viria
Agora diga de que me valem o mar e a terra
Se a alegria e a primavera estão perdidas por aí.

Meu coração não é direito, não tem porta
O que me resta é viver de solidão
Sou passarinho do Sertão numa gaiola
Teu colo é meu ninho de algodão

Olha, meu amor, a minha dor
É uma flor que desabrocha em pleno outono
E ao acordar de um sonho
Volta ao campo pra murchar

Meu coração é uma cidade iluminada
Que em noite enluarada
Vê a luz do lampião.
Bate de leve como sino sem badalo
Que em mês de aniversário
Perde o ar de seus pulmões

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Luz

- Analice Alves

És a luz que me envolve
Quando à noite, meio de lado
Durmo com os sustos que levei
Quando menina

Acredite, meu amor
O pôr-do-sol não tem luz
E nem graça sem a dor
Mude-me a impressão que
Tenho da vida
Meu mundo não mais gira

E a buzina que tocávamos
Em dó maior
Fez-se surda e muda
Isso dói
Feito ferida grave coberta por água salgada
Abrir os olhos e ver que sofri
Por quem não me encantaram aos olhos
Diga-me: qual é a função do meu coração
Quando, feito trem partido no trilho, esquece
A outra metade e se faz egoísmo?

E a voz não é mais canto, é grito
O suspiro é evidente quando, às 4 da tarde
Inibo meus planos e procuro-te feito cego
Em terras escuras e mago em ocasiões reais

És a luz que me envolve
Quando à noite, meio perdida
Acordo sobressaltada e, sem saber
O que quero da vida,
Vou e volto sem ficar parada

25.11.09

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Não sei eu

- Analice Alves

De tanto amá-lo
Chamo-te eu
Confundo-te com tantos
Que dentro de mim habitam
E já não sei quem sou
E o que sinto
Não sei se o amor é meu
Ou se é teu por mim
Ou se é uma organização
De toda essa população
Que mora por aqui

Habitam bairros, cidades
Estados desorganizados
Confundem seus prefeitos
E se envolvem na corrupção habitual

De tanto amá-lo
Chamo-te eu
Com ou sem aspas
És quem sou e sou
Aqueles que guardo

Cabide de personagens diversos
Atores que sentem e vivem
E nem sempre ganham o papel
De tanto amá-lo
Perco-me num carrossel
De brinquedo
Não tenho medo do múltiplo

Não sinta rancor, raiva
Ou ciúme incalculável
Os que moram em mim
Também te amam
São eles que multiplicam
Esse tal sentimento

Amor, dentro de mim
Há mais do que nós
Dentro de mim mora gente
Alguns são íntimos vizinhos
Outros meros indigentes.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Sem saber

- Analice Alves

Vejo o amor de lado a orar por mim
Ele, de fato, é uma busca interminável
Estou certa de que morrerei sem saber
Quem és, por que falas, por onde andas

O mel que em meus lábios já pusera
Desfez-se em açúcar puro e barato
Encontrado de modo fácil em mercearias
De esquinas vazias, nos subúrbios.

O amor que vivemos sugou-me o sangue
Azedou o leite que ainda não produzo
Fez-me mãe e pai de um sentimento sem filhos
Ponteiro aos pulos

És o vândalo de meu mundo perdido
Meu corpo – ali deitado – após o coito
Nada mais é do que um crime
- sem castigo

Lembro quando dizias:
“Ali, no meio da multidão,
tão linda, eu te via e percebia
que se não fosses minha, mesmo
assim a desejaria”.

E eu morri por dentro e por fora
Como borboleta sem asas e insetos de verão
Cujas asas perdem-se por debaixo dos móveis
E resta apenas a madeira como alimento
E a lâmpada no teto como ilusão
- imóvel.

O amor, meio de lado, orando por mim
Tenho certeza de que sorri com olhos de pena
E a liberdade me grita do lado oposto da cama
Onde sonho contigo e com ela, sem saber

Ele, de fato, não existe no meu mundo particular
Enquanto estás tu a observar o meu sorriso
Há outros a procurar o triangular que escondo
Por baixo do vestido
- és raro

Tu és o tamanho compacto daquilo tudo que sinto
E que, de tão grande, não cabe em minha palma
- na alma
Se isso não é amor, de fato, não sei mais meu nome
Estarei certa de que morrerei sem saber, como indigente
Por que andas, quem és, de onde falas
Não me atendes...

[Analice Alves, 22.10.09]

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Paisagem

- Analice Alves

Amor, quero que as luzes escuras
Do meu coração suburbano
Ganhem força diante do sonho
Ainda não sonhado

O amor me aparece em pesadelo
Resignado em meu sorriso torto
A batalhar por alegrias sem medos
E moldar a vida feito cavaleiro mouro

Estamos nós a separar-nos
Como geada e fogo
Eu em minha pequenez
A entregar-me ao teu corpo
E fazer-me cada vez mais miúda
E imatura na completude
Do que é pouco.

Ergues-me no ar e roda-me
Como carrossel de brinquedo
Quebra-me em tuas mãos
Faço-me pura alma e coração
- sem esqueleto.

Estás aqui, onde a vida esqueceu
De construir janela ou porta
E sem poder fugir, encaro teus olhos
E volto a vida, depois de estar morta

Quero que as luzes apagadas
Do meu coração suburbano
Sigam tuas sombras e ceguem teus olhos
Para que as verdades sejam escondidas
E para que as paisagens sejam pinturas a óleo.

Estamos nós a separar-nos
Como dedos de mãos opostas
Que se entrelaçam na oração
De todo sempre
E ao tocar as tuas
Dão-se de bruços e viram-me as costas
Para servir-te de frente.

[Analice Alves, 18.10.09]

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Trem das noites

- Analice Alves

Meu corpo sem o teu
Em eterno desajuste
Vaza de tormento
A todo o momento
E em amiúde

Vai se quebrando
Tão frágil e pequeno
Feito trilhos de um trem
- de brinquedo
aquarelado num desenho

Estás às margens de meus olhos
Onde as lágrimas jorram amores vãos
Dores passadas

Vou me quebrando aos poucos
Não sobrevive este corpo fraco e miúdo
E sem saber se vale a pena
Entrego-te meu dorso
Para não te dar todo o meu tudo.


[Analice Alves, 03.10.09]

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ficções

- Analice Alves

"Encheu-se-lhe a fantasia de tudo que achava nos livros”
(Miguel de Cervantes em Dom Quixote)


Meu amor, desculpe por todo esse transe
Mas passei a vida toda a me agarrar nos sonhos
E acabei me perdendo dentro dos romances
Cá estou a perguntar quem sou, de onde vim
E se o amor era sentimento ou matéria prima pra mim

Lia cada verso e cada estrofe
Na tentativa cruel de me inserir naquela
Menina que amava sem stop
E vi que não era eu quando, ao chorar uma lágrima,
Perguntei-me o porquê se ela não sofre

Dei o braço à Dom Quixote e lutei contra os moinhos de vento
E, como Luiza, encantei-me com os livros e perdi o chão
Vi-me a arrancar os cabelos feito tricotilomaníaca
A confundir a vida real com novelas de cavalaria
A tentar encontrar os motivos pra tanto excesso de ilusão

Seria aquela menina arredia o meu alter-ego
Ou apenas um eu deixando de ser lírico para
Ser completo? Seria o escrito o meu lugar de origem
Ou destino e desculpa para equilibrar a vertigem?

Meu amor, desculpe por toda essa loucura
Mas sou frágil, fraca de forças
E sou mais personagem do que literatura
Voltei ao real quando olhei pra ti e o coração
- que pena – não bateu acelerado. Olhei teus
olhos e estes eram mais vivos em meu poema
do que no alto palco do meu real cenário.


[Analice Alves, 26.09.09]

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

My boy

- Analice Alves

My boy, open this door
Let me enter in you heart
I just want to know
What you do when I’m not around

It’s cold in this afternoon
I confess I miss your kiss
I wanna stay with you in your room
With your books and your advices

I’m lost in the world
Without your love
I’m just a girl who is in trouble
I’m just a fish without sea.
I’m sun
Sun without sky

My boy, open this door
Let me enter in your house
I just want to know
What you do when I’m not around

Tell me when you will open your eyes
I just wanna know what is going on
And let me enter in your mind
Why life is better when I not alone

Call my name
Tell me the truth
I know you are not the same
But I love you

My boy, open your arms
Let me enter in your heart
I just want to know
If our love passed away
Or is still alive

30/06/09

p.s.: é uma música em parceria com Tom Siqueira.

domingo, 13 de setembro de 2009

Desfeitos

- Analice Alves

Talvez a vida tenha feito de nós
Apenas fantasmas de nós mesmos
Medonhos espíritos que dançam
Sobre nossos solos

Talvez o grito tenha sido sem força
E não tenhas ouvido o socorro pedido
A fé que me foi imposta ainda vive
E não me imagino a viver o contrário

Na cama em que durmo tudo é escuro
Como sonhos cheios de tiros e constelações.
A ventania atinge os meus olhos. Folhas
caem sobre meus cabelos. Sonhos.

Talvez o giro que o mundo dá seja pouco
E me deixe sempre aqui, no mesmo lugar
A desejar teu corpo como se nada mais houvesse
A amar teu cheiro por ser parte de ti.

Talvez a vida tenha feito de mim
Apenas alguém pra viver o momento
Em que beijo teus lábios sem medo do fim
E me faça fantasma após o tormento

Talvez a vida tenha feito de ti
Apenas um ombro pra eu chorar a dor
De não te ter por completo
Do ódio, meu querido, nem chego perto

Talvez o giro que a Terra dá seja tanto
Que me deixe sempre aqui, a rodar e rodar
A te amar pra sempre como uma menina
A girar junto ao mundo feito bailarina.

Talvez a vida tenha feito de nós
Pedaços esparsos de amor e medo
Corações partidos com peças perdidas
Eu em tuas mãos feito um brinquedo

Coração mal montado:
a peça de baixo na de cima
e a de cima na de baixo
Meu peito junto ao teu
Feito poema sem rima
e com letra indecifrável.


[Analice Alves, 02.09.09]

sábado, 5 de setembro de 2009

Não sei

– Analice Alves

É ele que sussurra em meu ouvido
nas noites incertas e nos dias nublados
É ele que esconde as minhas dores
por baixo de seus panos e meus erros
por baixo dos tapetes.
Quem é? Não sei

É ele que alegra as minhas tardes
e se ausenta quando cai a noite, a
deixar as estrelas como companheiras
e bandeiras como açoites

É aquele que me escuta e grita por mim
quando estou sem voz. É aquele que
inclina-me diante de si a agradecer por
tudo o que não tenho e por tudo o que
quero ter.
Quem é, não sei

É ele que me faz mais humana, me dá a
mão para subir um degrau e me protege quando
atravesso as ruas a pensar num futuro irrisório
É ele que me cobre de amor e dádiva
E me faz confiar em mim por confiar nele
Quem é, não sei

Sei que tens um nome
Mas não sei qual
Sei que estás em um lugar
Não sei onde
Sei que estás perdido entre nuvens azuis
a procurar por mim
Entre boas vindas e despedidas, adeus!
Estou aqui, na ponte da vida, a desvendar
Os mistérios teus
Talvez sejas aquele...
Deus?


[01/09/09]

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Nós

- Analice Alves

Eu, primeira pessoa do singular
Falo a ti sobre um assunto
Ou falo sobre assunto nenhum

O sentimento é nada, quando vago
O amor é tudo, aquele que guardo
É secreto e público
Concreto de tão abstrato

Tu, segunda pessoa do singular
És o centro de meu enunciado
Calado, meu peito bate forte
Somos iguais e contrários

O assunto que nos cabe é silêncio:
O amor canta sozinho e sem voz
Eu, primeira pessoa
Desejo tu, segunda pessoa do singular
Mas primeira em meu plural

És o nome que digo
Ao final de cada frase
Sou agulha onde entranhas tua linha
Chegarei a ti com ou sem crase.


[25.08.09]

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Prisão

– Analice Alves

Teu beijo está entranhado
Em meus lábios
E estes dormentes e aflitos
Não querem perder o gosto do beijo
Meu corpo não esquece o calor do teu abraço

Diria “nunca” se fosse ontem
E talvez o dissesse se amanhã fosse
Mas hoje te quero ao meu lado
Como a cruz que carrego por amar
Amor por amor, sem motivos e poréns.

E eu não quero, meu amor, a liberdade
Quero prender-me a ti
Como pássaro sem ninho

O destino e seus ventos
Terão pena de nós e nos unirá num só corpo
Seremos o sopro de um moinho
O tempo que voa pelos ares da vida

Quem somos nós? Seríamos dois em um
Ou um em dois? Quem somos nós?
Seríamos a escuridão de um dia claro
Ou claridade a faltar na visão?

Teu gosto está entranhado em meus lábios
E eles querem mais, meu amor
Querem o vinho de teu desejo e o sufoco
Após o beijo. Querem a repetição que não se cansa.
Querem dançar a mesma valsa
É tudo vida

E eu não quero, meu amor, a liberdade
Quero prender-me em tuas grades
Ser escrava de teu amor e refém de teu silêncio
Com orgulho anunciar-te minha rendição
E sermos um em dois
Dois em um
Claridade a faltar na visão.

[21.08.09]

domingo, 16 de agosto de 2009

Sem rimas

– Analice Alves

Contigo vai um pedaço de mim
E comigo fica tudo o que és:
o começo de tua vida e o fim
daquilo que não tivemos
da cabeça aos pés

Vais como nuvem passageira
Chuva de verão que nos refresca
e parte em busca de outras brisas
Vais como o fogo que nos aquece do frio
- brasa no chão

Contigo vai uma parte de mim
Comigo fica o teu todo
O completo abrigo do teu peito
Coração, corpo e alma
Lábios agitados de dor e prazer

Vais como viajante indeciso
Em busca de lugares e amores errantes
Parte como um navio sem destino
Um barco sem leme

Contigo vai a maior parte de mim
Comigo fica a tua vida inteira
Em mim o rio onde nadavas quando menino
Em ti o alívio pra dor que me mata

Vais como a gaivota perdida
A procura de outros ares
Vais com tudo o que é meu
E me deixa incompleta
- preenchida.

O grão de areia feito cisco em nossos olhos
A distância como pedra em nossos sapatos

Contigo vai tudo o que me formei
Em corpo e em mente
Em músculos e livros, palestras
E comprimidos

Comigo fica a essência do teu ser
O teu projeto de vida, a procura por
Outras marés.

Tudo aquilo que é teu e, por isso, é meu:
aquilo que somos.

Vais como vento breve
Chuva forte e abraço terno
Vais de mãos dadas com minha alma
A navegar por mares incertos

Tudo muda, meu amor
Veja o tempo que hoje faz
O vento que me congelava é combustível
a me levar ao teu cais.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Amor eterno

– Analice Alves

Amor meu,
Se sigo o infinito que me deste
e no final não cheguei ao final,
tendo em vista ser o inexistente,
juro que me iludo com certas palavras
e choro pela ausência de um amor eterno.

Sinto que me queres, sim, sinto.
Mas muito mais amor e saudades guardo eu em meu peito aberto.
Quero teu cheiro, teu suor, tuas ironias.
Quero brigar contigo como almas íntimas que se ferem sem motivo.
Onde estás? Quando voltas? Não sentes pena de mim?
Sinto que no fim das contas tudo é ventania
e meu ponto final é mais exclamativo
do que teu nome pronunciado por minha boca a cada volta inesperada.

Se eu te amo? Perguntas tolas e óbvias
não têm vez em meus pensamentos.
Se perco meu tempo a te amar,
se perco meu vento a respirar teu cheiro
e se estas perdas pra mim são ganhos,
é claro, meu amor, eu te amo.

(30/07/2009)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Eu não

– Analice Alves

Tudo foi embora
E como o tudo engloba o nada
Fiquei sem tudo e sem nada

A morte chegou e levou não apenas a vida
Mas a morte das pequenas coisas
Que faria minha poesia

E tudo foi embora: o corpo do homem que amo
As filhas gêmeas que não tive
E a cicatriz curada com álcool barato

A morte chegou e levou não apenas os vivos
Mas os mortos que me apareciam à noite
Debruçados na varanda a sussurrar em meus ouvidos

E tudo foi embora: os sonhos realizados e os planos
Ainda no papel. Os avós envelhecidos e os fetos
Ainda perdidos em meu ventre feito arranha-céu.

A morte veio sem medo, sem dor. Agonia maior
Senti em vida quando dei o primeiro beijo ou perdi
O apartamento em leilão. A morte veio e eu não.

Não entendi o seu grito. Fez-me um “psiu”, fingi que
Não era comigo. Mas ela me chamou pelo nome, apontou-me
com um dedo de fogo e sabia mais sobre a vida do que a própria.

E ela pula amarelinha, se enturma com as crianças e sente
Pena de as levar consigo. Os adultos estressados no trânsito,
Coitados, não são dignos de pena. Merecem um susto.

E eu fui embora. Com medo, a ouvir gritos de longe.
Alguém a me chamar do outro lado da ponte. Era o corpo
Do homem que amo e as filhas gêmeas que não tive.

- Era o futuro.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Proesia do Desejo

- Ana Lee C. e Pedro Igor

É quando a noite cai, silente,
e quando a voz resolve, em sussurro
seguir a lua que se ergue novamente
contra o mesmo eu de sempre, então urro.

E a lua me mostra os teus olhos, meu menino
Como bolas de gude com direção certa a atingir meu peito
A admitir ser frágil e fraco, nascido cansado
E pronto pra ser meu de direito

E esse estranho dueto feito à lua
reveste dono e possuído com fervor
de modo que pela branca luz e nua
as mentes de ambos era mente de amor.

Amor revestido de agonias simplórias
Visto como batalha e não como vitória
Uma luta contínua da qual saímos vencidos
Feito poemas rabiscados, num cômodo esquecidos

E a cada rascunho que fazemos em nós
cresce o desejo por ser quem se é
sem máscaras, conceitos ou voz
Mas ser essência, mesmo que doa, em nossa fé

O que nos separa é mais que uma ponte
É uma fonte insegura, um teto sem chão
Mesmo nua me dispo sem pudor
Minha fé existe, tu és minha religião

E a beleza de cada beijo em verso
contaremos dia-a-dia como em prosa
nossa vergonha será santa e o universo
de nosso desejo será profano como a rosa

sábado, 1 de agosto de 2009

Contrário

- Analice Alves

se o tempo tivesse um contrário
e esse contrário apagasse o que o tempo construiu
eu compraria um bocado desse oposto
gramas, quilos, litros, metros

apagar o que foi vivido
parece feio e contra a natureza que me foi imposta
mas seria o único meio de esquecer tudo aquilo que fui
por você
tudo aquilo que deixei de ser por mim
pra me doar de corpo e alma

as fotos perdidas no chão
são produtos de uma história hoje sem direção e sentido
falta enredo, falta meio e fim
sobram freios

às vezes dá medo mexer no que foi vivido
o passado é um cadáver apodrecido em meu jardim
enrolado num tapete
sujando meu carpete
é tudo aquilo que está esquecido num canto qualquer
e, ao mesmo tempo, está presente como o relógio em meu pulso
como o telefone fora do gancho com a secretária ligada

- o passado manda lembranças

se na mercearia da esquina
vendesse o contrário do tempo
certamente eu compraria
mesmo correndo o risco de perder todo o tempo que me resta
mesmo se fosse caro e eu tivesse de vender meus trajes de agora
e meus pijamas

eu compraria apenas com o intuito de desfazer
o que foi feito
de ter o tempo de ponta cabeça
desescorrendo em meus dedos
o ponteiro correndo ao contrário
o sino a desdobrar.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Precipício

- Analice Alves

Parto do princício
de que te amo
e assim pensando
imagino que caio
num abismo sem deus
num mundo sem inércia
numa jaula com leões

Parto do pressuposto
de que te odeio
e assim conscientizo-me
que sou água, terra, fogo
e o ar me falta
e eu quero fechar a janela
e sentir calor
abrir tua camisa
arrebentar teus botões
deixar meu suor misturar-se
às lágrimas amargas que já não choras

não tenho motivos, meu amor
se o sêmen se espalhou sobre o meu corpo
se o gozo é maior que o teu sufoco
se me tocas e nada sinto
és pequeno.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Despedida



Se me perco na ventura
Do teu beijo
E o teu desejo
É a tormenta que anseio
Nada posso desejar
Além dos meus seios em tuas mãos
E meu toque em teu corpo

Se me encontro
Nas mentiras que me dizes
E nas promessas
Que não fazes,
Encontro-me perdida
Num mundo de verdades,
Perco-me dentro da alma que habito,
Não me completas

Vejo o tempo passar
Pela queda dos cabelos
Pelo balanço do mar

A areia ziguezagueando na ampulheta
Estou certa, não estou de passagem,
Nem que a vida seja apenas
Tocar-te punheta
Fazer-te feliz com meu toque
Selvagem

Veja a nós perdidos
Em busca de um amor eterno
Uma paixão plena na estrada da vida
Se o nosso amor não tem nexo,
Só sexo
Basta respirar o ar
Da despedida

terça-feira, 30 de junho de 2009

Estrada

- Analice Alves
Os carros passam. Eu passo. Como o cheiro do sêmen em nossos lençóis. Como o corpo crucificado por um pecado à toa. Como a solidão que dói. O tempo passa. Eu passo. Palavra escondida na língua. Beijo penetrado na boca. Fora do ar. Garoa que embaça meu vidro. Inverno que congela um coração já morto. Construo feito um operário. Estou só. Você também. Na estrada tudo é pior e maior. Tudo dói. Somos dois. Não tenho razão. Vou.

São Paulo, 26 de junho de 2009.

domingo, 21 de junho de 2009

Um momento



Meu amor, penetre o que tens
De maior e mais valioso
No meio de mim
E num movimento de ida
E volta
Venha pra ficar

Abra as portas do meu vestido
Tire a cor da minha boca que é tua
Enfie tua língua no meu céu
Procurando a lua

Beije-me o ventre
Acaricie minha barriga
Como se nela carregasse um filho teu
Jogue-me na cama, desfaça-me as tranças

E o dedo que é médio
Passa a ser intermédio
Do pouco falo
- o que não te faltas
Olha-me no olho
Recite frases feitas
Enalteça o que tens de maior
E mais valioso

O cheiro do gozo
Impregnado na cama
Já é passado, já é passado
O presente é chama, brasa ainda quente
Chuva de verão

Na hora, no ato
Perco-me de mim
Somos nós um único membro
Eu a abrir a janela
E você a me chover por dentro

- Um momento, um momento!

O dia termina
E a noite é uma criança
Encrenqueira
Visto o vestido, refaço minhas tranças
Para me desconsertar de novo
E por inteira

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Oferta

- Analice Alves

Toma meu peito, amor
E se faça nele presente
Escreva poemas em meu ser
Tatue teu nome em meu ventre
Arranque os cabelos

Toma meu amor, querido
E aproveite bem enquanto é tempo
O vento já balançou os meus cabelos
Num eterno descontento

Toma meu sangue, amor
E inclua minhas dores em tuas preces
Acenda uma vela ao santo que confias
Ofereça um ramo em meu nome

Toma meu suor, amor
E se esforce junto a mim
Batalhe pelo dia de ontem no amanhã
Enalteça o que silencio sem mentir

Toma este vinho, meu bem
E faça o que fiz em tua ausência
Pedi perdão, chorei, senti tua falta
Caí em desespero

Toma este poema, amor
E guarde como um regato extremo de bondade
Não escrevo para quem chamo
Escrevo o que vivo
E vivo para os que amo.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Máquina de viver

– Analice Alves

Eu me lembro
Das noites em claro
E dos dias escuros
Do sol e da lua nova

A realidade era um sonho
Um conjunto de frutas frescas
Caídas de uma árvore antiga
O nome escondido nos lábios
O aperto num peito vivo

Eu me lembro
Da casa e de seus barulhos
Da lâmpada queimada
Pelo medo do escuro
Dos quadros tortos após a ventania

Os livros do avô que não conheci
Enchiam-se de poeira e vida
Embelezavam as prateleiras
Do meu quarto de dormir

Ali, era certo, estava eu seguro de mim
Escapava dos perigos externos
Encontrava a essência do que era

Hoje mal posso esperar
Não tenho planos, tenho passados

Encontro-me no dedo anular
De um desconhecido
Meu coração já não sente
É puro órgão
Máquina complexa de viver

E o meu sorriso era uma felicidade silenciosa
A qual os outros se alegravam em ver
Os beijos e abraços eram verdadeiros, honestos
Eram cheios de um cheiro de amor
Afeto

E eu me lembro
De tudo o que um dia fui
Das tardes em que paralisava meus olhos
Num ponto da janela
E imaginava se faria falta quando morresse

Hoje me vejo sentindo falta
Dos que já foram
Dos que já fui

Meu choro é pobre em lágrimas amargas
De arrependimento, de não ter dito
De ter desperdiçado meu sofrimento
Com coisas pequenas
Hoje não choro, não sofro
Meu coração é puro órgão
Complexa máquina de viver.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

My mind

– Analice Alves

You are in my mind
My mind is your house
My heart is your world

You are the only star I can see
The only voice I can hear
You are the song I listen patiently

I can’t live without your eyes
I can’t breathe without your smell
I can’t live, because I don’t want to live
Without you

You are my house
You are my world
I forgot the others words
I just want to speak your name

You are in my mind
And don’t tell me
I need forget you
I can’t!
My mind is your house,
Don’t you remember?

Leave me in peace
Forget my existence
Let me cry this love
Let me speak your name
As long as I live

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sempre existiu cantando

Hoje, finalmente, foi a apresentação oral do meu trabalho sobre a transmutação musical dos poemas de Hilda Hilst feita por Zeca Baleiro. Um peso a menos em minhas costas, um ensinamento a mais em minha vida. Descobrir os poemas de Hilda foi, mais do que um conhecimento literário, uma lição de vida e de poesia. Afinal, ser poeta é um ofício. As músicas foram musicadas de modo magnífico e nem uma prova de latim básico II tirou o bom humor que tomou conta do meu dia por conta deste trabalho. Além de tudo, acho que quem lê e conhece meus poemas, sabe que sofri uma influência grande da Hilda Hilst, ou melhor, tentei imita-la, tentei ser a Hilda, mas isso é tarefa impossível e voltei às raízes.


Dez chamamentos ao amigo - Hilda Hilst

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei.
E há tanto tempo
Entendo que sou terra.
Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu.
Pastor e nauta
Olha-me de novo.
Com menos altivez.
E mais atento.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Céu

"...e eu vi, Júlio, que era só soletrar teu nome que tu logo voltarias como um raio com direção certa em meu peito"


Teatro dos vivos – Analice Alves

O tempo, eu sei, passa
E o que fica é saudade
E sentimento
Tristeza e dor pelos que foram
Recomeço

O vento, eu sei, passa
E o que fica é tempestade
E pouca brisa
Tristeza e dor pela euforia do sol
Poesia

E eu penso nos motivos da vida
Nos destemperos e esperanças
Vejo que estou num teatro vivo

Se no final a solidão pula a janela
Só me resta cobrir de azul celeste
Um céu mais negro do que ela.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O dom

- Analice Alves

Tens medo de ver o que tenho em mim
A potência do meu corpo e o calor do meu
Suor

Sei que sabes os meus segredos mais absurdos
Mas finge não saber e logo lhe digo:
Enquanto estás na largada
Já estou na chegada
A perigo

Sei que não tens o dom da fala
Apenas pronuncias o meu nome
Mas tens um falo e um coração
Que bate quando a camisa aberta

Quero a vida das prostitutas inocentes
Que batalham com o prazer
Sem senti-lo

Quero o mundo dos prostitutos inválidos
Que enaltecem os músculos e peles
Já flácidos

Aquilo tudo que eu já tive
Os horários perdidos por ti
As unhas postiças que não me servem
- meus dedos estreitos
a camisola de lã que me destes
teu corpo.

Quero amar por amar
Sem medo de não ser feliz
Amo a todos e a ninguém
Amo a ti

Quero qualquer coisa sem compromisso
O cigarro já apagado por um sapato velho
Ser o inseto na sopa, uma mosca em teu banheiro
Ser mulher em tua cama
Respirar sobre o teu peito

Quero errar por errar
Sem medo da falta de acerto
Erro muito, admito
Erro por receio

Quero qualquer coisa com atitude
O choro espontâneo de um torcedor fanático
O que permanece quando o livro se fecha
O cigarro tragado por inspiração
Ser uma mosquinha em teu banheiro, o inseto na sopa
Fazer-me mulher em teu leito.
Ser saliva em tua boca.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Soneto

Die sache ist so, weil man es sagt – Analice Alves

Amor, pode ser que daqui a algum tempo
Você sinta a necessidade de me reencontrar
E aí será tarde, pois nem eu sei onde estarei
Talvez aquecida pelo sol ou levada pelo vento

Sei que entrei na degradação da linguagem
Não sei mais dizer e apenas falo por falar
Tenho vergonha dos sentimentos covardes
Mas me orgulho de ter amado, de ter vivido

O tempo, coitado, ele já não me acompanha
Voa como um pássaro perdido no horizonte
Escapa feito pétala de flor sensível e abstrata

E eu, meu amor, já não incluo seu nome em
meu canto. Não nos arrependamos. Se o amor
aconteceu, foi porque sempre acreditamos.

domingo, 26 de abril de 2009

A casa

- Analice Alves

Tu sabes que a minha vida
É mais que palavra cantada
Que poemas e noites

Tu sabes que, antes de tudo,
Sou humana e capaz
E meus poemas, às vezes, nada dizem

Tu sabes que promessas não vingam
E que meu amor é um tanto soberbo
Quer tudo a qualquer hora

Não sei se me amas
Ou se queres tentar a felicidade
Não sei se queres me amar
Ou se já se sentes feliz
Quero apenas teu olhar sereno
E enxergar o ódio indo embora

Tu sabes que a minha vida
É regada de amor e poesia
Mas se um não existe
O outro nada diz
Porque sem amor não escrevo
E sem poesia não amo

Se digo palavras redondas
Se falo bobagens medonhas
Se quebro o gelo entre nós
É porque amo
E, sem amor, este poema nada diz.

Minhas palavras são recheadas
De amor, de vida, de sentimento
Se és incapaz de enxergar
Tamanha grandiosidade de poder
Serás incapaz de ver
O interior do meu ser

Porque, antes de tudo,
Sou humana, sou mulher, sou capaz
Mas meu mundo é pura poesia,
E a palavra é meu cais.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Coisas vãs

- Analice Alves

Sinto o poder das coisas vãs
Que por mais vãs são especiais

Sinto frio, tenho febre
Tenho fome de ti

O meu amor, porém
É puro egoísmo
Necessito-te feito as paredes
De um quarto apertado
Que te espremem
Como o chão que piso

E eu perco o ar
Porque ele já me falta

E eu não caio no abismo
Porque nele já habito

Na vida, porém
Nem tudo é flor
É tropeço e recomeço
É sufoco e estupor
Dores de um passado
Ainda presente

O sentido está escondido
Nos cabelos esbranquiçados
Pela areia do tempo
E você, meu amor,
Por onde andas?
Por que demoras?
Entendes?

A fé absoluta que não tenho
Às vezes, invade o espírito imortal
De uma dor que mata

Um dia, hei de te encontrar
Pelas ruas, nos meus versos
Perdido
A me procurar...

Você invade o meu ser
Como alfinetes de cabeças coloridas
E meu corpo se comporta
Feito um pescador suado e faminto
Pescando...

Eu quero uma miopia
Pra não ver os seus defeitos
Faça-me uma canção
Pra aumentar o meu desejo

Sinto frio, tenho febre
Tenho fome de ti

* Dia 22 de maio: Apresentação do coral Audite Noua!

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Olhei minha alma

- Analice Alves

Olhei minha alma
E nela vi teu rosto
E nele ela também
Se escondia

E eu me via
Na água que descia
Pelo ralo
Na toalha grossa e gasta
Com a qual enxugavas o rosto

Pelo espelho já passo distraída
Pois, deste modo, levo a vida

E eu me via
Nos garranchos do teu caderno
De poemas
E no bombom recheado
De licor amargo
Via-me ao teu lado
Como o espinho
Que embeleza a flor
Mas também fere

E eu me via na morte
Das coisas simples
E na alegria causada
Por este corte

E em ti eu me encontrava
Como a cortina balançada
Pelo vento quente

Como um vestido de verão
Que esconde
Mas não aquece.

Olhei o meu corpo
E era como se ele
Não mais existisse
Era como se eu fosse
Apenas alma e espírito
E a matéria se fez nada

E eu me via nas mãos
De uma mulher sofrida
Que treme e chora
Ao enxergar que o amor
Não cicatriza

E eu me via nos olhos
Nos teus olhos
Apoiada ao ombro
De um amor que passa...

domingo, 12 de abril de 2009

No meu verso se faria injúria

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses
E era como se a água
Desejasse
(Hilda Hilst)
Pássaro humano - Analice Alves
Amo feito um inseto
Na tentativa incansável
De ser humano
E vencido pelo quebranto
De outro ser

Quero amar como um quero-quero
Que voa por voar
E canta por sobrevivência

Quero um sentimento
Perpétuo e sereno
Capaz de emudecer
Os meus sofrimentos
E tapar os meus ouvidos

Amor, abra a porta
Não há riscos
De eu ir embora
Suas mãos são garras
Que me prendem
E me ferem

Um minuto seria pouco
Uma vida seria nada
Pra te convencer
Que não sou o que aparento
Não sou assim tão frágil

Tenho meus orgulhos
Um refrão e um ditado
Tenho um coração sensível
E capaz
Que sofre e morde

Quero amar como um quero-quero
Que voa para pousar
E canta para ouvir

Não quero mais ser um pássaro perdido
Na obscuridade da vida
Sem carinho, sem ninho,
Sem saída...

domingo, 5 de abril de 2009

Palinódia

- Analice Alves
"E foi assim, amando, que descobri a grandeza de viver. Sem amor e sem dor não somos mortais, não somos humanos, somos pó."

Esqueça todos os meus poemas
Eles já não dizem nada quando, Júlio,
Me tomas em teus braços
E envolta em teu abraço
Sinto o poder de teu cansaço

Meu corpo já não se retrai
Ao ver o sol
Pois mais quente que o astro
É o teu calor

Júlio, não quero sombra!

A ti dedico todo o meu passado
Minhas viagens, minhas passagens
Meus aprendizados

Imagino tua juventude
Com espinhas e dilemas
E mesmo assim o amo
Meu menino afoito

Ao teu lado não há tristeza
Meu único choro é o gemido
Do coito

Faça-me cativa
Pois és mais que metade
És meu completo todo

E minha alma só se eleva
Quando ponho o meu corpo
Sobre o teu corpo.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Ruídos

- Analice Alves

Sei que ele quer me tocar
Pra saber se eu deixo penetrar

E lá dentro
Terá as respostas
Para tudo aquilo que duvida

Saberá se é fundo e intenso
Saberá que o meu cansaço
É quente, seco e puro

E que meu gemido
É um grito agudo

Sei que ele quer me tocar
Pra saber se a donzela de outrora
Ainda o é
Pra deixar de me ver apenas como poeta
E me ver como mulher

E lá dentro
Terá as palavras
Que tanto balbucio

E a moça de tão bom parecer
Produzirá um ruído
Escreverá uma cantiga de amigo

E o meu gemido
Será um grito sem força
Precedido de um sono conturbado.

E em sonhos, meu amigo
Perguntarei-lhe se foi bom
E assim, acenderemos os cigarros...

(31/03/09)

segunda-feira, 30 de março de 2009

IV

– Analice Alves

Feri meu corpo
Com o pior dos açoites
Amo, não nego
Amo como a noite
Que desiste de ver o dia
E dorme...

Se um dia perguntarem
Por onde ando
Não responda
Fique mudo
Coloque a mão
Em seu coração

Lá habitei por anos
Percorri esquinas
E me perdi de mim
Encontrei um tempo
Diferente deste que vivemos
Alimentei-me de amor

Feri meu corpo
Com o pior dos orgulhos
O desamor não é vaidade
É vantagem de gente mesquinha
Que desiste da vida
E morre...

Se um dia me perguntarem
Por onde andas
Não responderei
Ficarei muda
Porque, de fato, não sei.

(30/03/09)

terça-feira, 24 de março de 2009

Traços do tempo

– Analice Alves

Um sujeito vestido de preto
Em pleno carnaval
Passa a ser impuro
Por deixar de ser ele

Olha-se no espelho
Abre a boca num bocejo
Ajeita o cabelo
Traços do nosso tempo

Por não gostar de mistura
Pede um cow-boy:
Exceto as mãos dela
Unidas às suas

O mundo atual o corrói
Mas nada que doa tanto
Respira fundo, lava o rosto
Está pronto

Um sujeito vestido de branco
Em pleno enterro
Passa a ser impuro
Pois mostra uma insegurança tênue
De seu próprio viver

Não é solução nem problema
Não é vírgula e nem ponto
Não há liberdade
Está preso ao corpo da amada

Como a palavra na garganta
Como ao nome que desconhece

Se, pelo menos, soubesse
Como se chama a sua amada
Daria pra procurar na lista telefônica
Ou fazer uma simpatia
Com seus nomes numa flor amarela

Mas não sabe como se chama
Não sabe sua identidade
Não possui um cartão pessoal
Com seus serviços e telefones

Tem apenas olhos para vê-la
Coração para senti-la
Palavras para lhe dizer “bom dia”

Olha-se no espelho
Passa a mão na barba
Vê as horas no relógio público
Traços do nosso tempo

O amor o corrói
Mas nada que doa tanto
Respira fundo, chora um pouco
Mas não está pronto...

(24/03/2009)

terça-feira, 17 de março de 2009

Poesia é complicação

"Poesia é complicação. É doença da linguagem. (...)" (Ruy Bello)

Por que?
(pensem nisso)


Reticentimentos - Analice Alves

quando leio um poema
e ele nada me diz
eu des-sinto
é uma morte pequena
porém pior do que morte matada
é suicídio poético

o poeta que escreve
encantamentos numa folha de papel
coitado! nao entende o seu poema
este já não é mais seu
nem meu
é de tudo e de todos

o poeta que escreve
abobrinhas ou caviar
é um poeta, certamente
mas mente como um ator
como Pessoa, como gente.

o poeta que acha
que entende tudo
não passa de farsante
não entende porra nenhuma
nem mesmo as sobras da sobra

o poeta que finge
ah, esse sim é grande
mas mesmo assim
não alcança a totalidade
de sua obra...


17/03/09

terça-feira, 10 de março de 2009

comida é pasto

1. Para que poetas em tempos de fome?

- A poesia sempre foi vista como algo secundário. A fome, a violência, a realidade social em que vivemos sempre foram muito mais importantes e herméticas do que um poema parnasiano. A pergunta acima tem mais de 200 anos e participa de nosso presente. Afinal, quando foi que não vivemos tempos de fome? Sempre esbarramos na mesma problemática. A Literatura sempre sobreviveu aos tempos (de fome), porque também existe a fome de cultura, a sede de informação, o tesão por livros e conhecimento. Poetas e poesias em tempos de realidade escancarada são válvulas de escape, são plataformas para o sonho. A poesia pode ser um mundo particular, porém a Literatura tem sua função acima de tudo, tem seu lugar no real e não apenas no imaginário, tem seu espaço na consciência social e nos punhos de um poeta revolucionário. Poetas são vistos como vagabundos ou menos importantes do que engenheiros, por exemplo. Cada um tem sua importância e, em tempos de fome, todos são influenciados pelo mesmo mal. O poeta, no entanto, é o capaz de praticar a paralaxe, de enxergar o problema em diferentes pontos de vista, de colocar o objeto de estudo (a fome, por exemplo) num ângulo onde todos possam entendê-lo com maior clareza.

Poema - Analice Alves

Olho para o futuro com louvor
É uma caixinha de bombom
E por mais que saibamos o sabor
Não sabemos se dentro dele
Haverá licor.

sábado, 7 de março de 2009

Meu iaiá, meu ioiô...

Poema em si - Analice Alves

Queremos encontrar a felicidade
Mas não calçamos os sapatos
Queremos a vitória
Mas estamos de chinelos


Museu I - Analice Alves

Sinto raiva de tudo isso
Te amar é muito mais que prejuízo
Gasto lenços, perco o juízo

Museu II - Analice Alves

Bebo a vida pelas beiradas
Vai que aparece uma mosca no copo!
Engolir jamais, quero mais ócio

Saudade fez samba - Analice Alves

Sei porque voce se foi
Sem nem me deixar bilhete ou carta
Agora quero que se exploda o teu coração
Meu samba não tem cordão.

Você é luz - Analice Alves

Você é meu sol
Minha lua, meu Rio
de Janeiro, meu enredo
Meu rascunho e minha obra
Você é meu amor
è meu suor, minha cura
e minha cólera

sábado, 28 de fevereiro de 2009

seguir é a nossa missão...

Tudo o que acontece hoje aconteceu um dia
Se esse mundo é o nosso pai o tempo é a magia
Que nos mostra a direção sem medo nem poesia
Viver é a nossa alegria, seguir é a nossa missão
E tudo se resume estar aqui um dia
Noutro dia não
(Almir Sater)


Música nova!

Identidade - Analice Alves

Sou de baixa renda
Mas quero respeito, sim senhor
Minha saia nao é de renda
Mas é bordada a linho

Eu sei fazer trico
Vendo bordado pra fora
Danço ao som de Zé Ketti
Cavaquinho e Cartola

Eu tambem toco um tamborim
Um tarol e um pandeiro
Pra não chorar a cuica do meu peito
Não
Pra não chorar a cuíca do meu peito

Quando piso na avenida
Meu coraçao se consola
Não penso na vida sofrida
Na solidão de outrora

Quero curtir o momento
Dar o braço ao meu mestre sala
Ele equilibrando o pandeiro
E eu segurando a saia

Vem, vem meu amor
O tempo bateu a porta
E disse que está só de passagem
Ele também envelhece, acredite
Nos carrega em sua bagagem

Tire esse chapéu
Deite aqui ao meu lado
Sou sua porta bandeira
A sambar um partido alto

Eu tambem toco um tamborim
Um tarol e um pandeiro
Pra não chorar a cuica do meu peito
Não
Pra não chorar a cuíca do meu peito

24/02/2009

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

ai daqueles!

"ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa

(Paulo Leminski)

Pode ser que a vida fique mais difícil do que já está, mas não quero desistir. Não vou desistir, vou lutar sempre pela paz dentro e fora de mim. O futuro não é meu, pois nem ao menos sei onde estarei daqui a um segundo, uma década, um século, uma vida. Tenho plena consciência de que não sei de nada, só sei que não vou desistir. É mais do que coragem ou vontade de seguir em frente, é fé absoluta naquilo que eu não tenho, naquilo que quero muito ter, mas não tenho. Quero olhar para os lados e ter a sensação de que fiz tudo correto ou, pelo menos, batalhei antes do erro. Escuto vozes a dizer: Adiante! Ando, ando, ando, caminho, caminho, caminho, não me encontro. Encontro apenas um espelho que reflete uma máscara que prefiro usar, um chapéu que consiga me proteger da chuva, um filtro solar imaginário. Quero que a poesia que tanto grito, que as palavras que tanto pronuncio sejam reflexos de minha vida. Quero que as aparências sejam realidades e que as minhas realidades sejam esquecidas, de fato. Tenho medo, claro. Mas tenho vontades. Não quero desistir, não vou parar de lutar por aquilo que sou, pela minha essência, pela minha plataforma. Não quero um futuro no presente, quero apenas um pouco de paz de presente.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

só uma fase...

Poema 9 I - Analice Alves

Sinto raiva de tudo isso
Te amar é muito mais que prejuízo
Gasto lenços, perco o juízo

Poema 9 II - Analice Alves

Bebo a vida pelas beiradas
Vai que aparece uma mosca no copo!
Engolir jamais, quero mais ócio

Vozes - Analice Alves

Eu posso tentar
Me mostrar ser melhor
Do que posso ser
Pra te merecer
Eu tenho muitos motivos
Pra tentar te esquecer

Eu quero a tua voz
Pra sempre como um hino
Quero teu beijo de boa noite
Teu sorriso matutino

Você é meu sol
Minha lua, meu Rio
de Janeiro, meu enredo
Meu rascunho e minha obra
Você é meu amor
è meu suor, minha cura
e minha cólera

Eu quero a tua voz
Como se fosse música
quero teu toque de carinho
tua coragem lúcida.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Estrelas

- Analice Alves

Eu não sei
O que quero da vida
Os meus planos
São tão banais
Mas quando eu olho
Para o futuro
Eu só vejo você
Minha estrela guia
Eu só quero o teu amor
Seja o causador
Da minha paz...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

estava estando

Esse livro é pra te dar prazer nas horas de angústia, te remediar nos momentos difíceis, te aquecer com suas histórias calorosas e te refrescar com as lágrimas que, certamente, cairá de teus olhos ao ler certas partes. Esse livro é pra você acreditar nos sentimentos verdadeiros que qualquer pessoa é capaz de sentir, pra imaginar as tantas coisas legais que ainda tem pela frente. Esse livro é para viver um grande amor.

Eu - Analice Alves

sou apenas aquilo
que termina sem acabar
sou um complexo paradoxo
um ditado popular

sou um verbo transitivo
sem objeto, sem sujeito
sou um coração quebrado, partido
sujo dentro de um boeiro

eu desejo mais a vida
quando ela sorri de volta
às vezes me olha com cara sofrida
como quem quer ir embora

eu escrevo sem enredo
sou mudança de planos
no mundo dos humanos
é rei quem tem dinheiro

minha inteligência é líquida
e escorre entre as páginas
de um adendo destroçado
minha mão destra inveja a esquerda
por só escovar meus dentes

quando meu ventre está vazio
tenho prisão cerebral
meu nariz fica roxo
meus lábios secam
e eu só tenho uma saída:
chegar ao final.

(19/11/2008)