sábado, 1 de agosto de 2009

Contrário

- Analice Alves

se o tempo tivesse um contrário
e esse contrário apagasse o que o tempo construiu
eu compraria um bocado desse oposto
gramas, quilos, litros, metros

apagar o que foi vivido
parece feio e contra a natureza que me foi imposta
mas seria o único meio de esquecer tudo aquilo que fui
por você
tudo aquilo que deixei de ser por mim
pra me doar de corpo e alma

as fotos perdidas no chão
são produtos de uma história hoje sem direção e sentido
falta enredo, falta meio e fim
sobram freios

às vezes dá medo mexer no que foi vivido
o passado é um cadáver apodrecido em meu jardim
enrolado num tapete
sujando meu carpete
é tudo aquilo que está esquecido num canto qualquer
e, ao mesmo tempo, está presente como o relógio em meu pulso
como o telefone fora do gancho com a secretária ligada

- o passado manda lembranças

se na mercearia da esquina
vendesse o contrário do tempo
certamente eu compraria
mesmo correndo o risco de perder todo o tempo que me resta
mesmo se fosse caro e eu tivesse de vender meus trajes de agora
e meus pijamas

eu compraria apenas com o intuito de desfazer
o que foi feito
de ter o tempo de ponta cabeça
desescorrendo em meus dedos
o ponteiro correndo ao contrário
o sino a desdobrar.