sábado, 1 de agosto de 2009

Contrário

- Analice Alves

se o tempo tivesse um contrário
e esse contrário apagasse o que o tempo construiu
eu compraria um bocado desse oposto
gramas, quilos, litros, metros

apagar o que foi vivido
parece feio e contra a natureza que me foi imposta
mas seria o único meio de esquecer tudo aquilo que fui
por você
tudo aquilo que deixei de ser por mim
pra me doar de corpo e alma

as fotos perdidas no chão
são produtos de uma história hoje sem direção e sentido
falta enredo, falta meio e fim
sobram freios

às vezes dá medo mexer no que foi vivido
o passado é um cadáver apodrecido em meu jardim
enrolado num tapete
sujando meu carpete
é tudo aquilo que está esquecido num canto qualquer
e, ao mesmo tempo, está presente como o relógio em meu pulso
como o telefone fora do gancho com a secretária ligada

- o passado manda lembranças

se na mercearia da esquina
vendesse o contrário do tempo
certamente eu compraria
mesmo correndo o risco de perder todo o tempo que me resta
mesmo se fosse caro e eu tivesse de vender meus trajes de agora
e meus pijamas

eu compraria apenas com o intuito de desfazer
o que foi feito
de ter o tempo de ponta cabeça
desescorrendo em meus dedos
o ponteiro correndo ao contrário
o sino a desdobrar.

3 comentários:

Gabriel Riva disse...

É Gabriel. Ao leitor desatento, nada essa poesia significa (estou bebado, por sinal). Aquele que lë, atento, sente aquele algo mais que dor que rancor, aquele arrependimento, na verdade, maior que a própria palavra arrependimento quer dizer...um sofrimento, talvez, que te marcaria por toda sua vida. Linda poesia, as anteriores também mas não convëm comentar agora. Beijos do seu eterno fã

Nath Dumas disse...

Linda

Caroline disse...

"- o passado manda lembranças". Adorei o poema, é perfeito! Eu tenho uma amiga super poeta!