sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Nós

- Analice Alves

Eu, primeira pessoa do singular
Falo a ti sobre um assunto
Ou falo sobre assunto nenhum

O sentimento é nada, quando vago
O amor é tudo, aquele que guardo
É secreto e público
Concreto de tão abstrato

Tu, segunda pessoa do singular
És o centro de meu enunciado
Calado, meu peito bate forte
Somos iguais e contrários

O assunto que nos cabe é silêncio:
O amor canta sozinho e sem voz
Eu, primeira pessoa
Desejo tu, segunda pessoa do singular
Mas primeira em meu plural

És o nome que digo
Ao final de cada frase
Sou agulha onde entranhas tua linha
Chegarei a ti com ou sem crase.


[25.08.09]

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Prisão

– Analice Alves

Teu beijo está entranhado
Em meus lábios
E estes dormentes e aflitos
Não querem perder o gosto do beijo
Meu corpo não esquece o calor do teu abraço

Diria “nunca” se fosse ontem
E talvez o dissesse se amanhã fosse
Mas hoje te quero ao meu lado
Como a cruz que carrego por amar
Amor por amor, sem motivos e poréns.

E eu não quero, meu amor, a liberdade
Quero prender-me a ti
Como pássaro sem ninho

O destino e seus ventos
Terão pena de nós e nos unirá num só corpo
Seremos o sopro de um moinho
O tempo que voa pelos ares da vida

Quem somos nós? Seríamos dois em um
Ou um em dois? Quem somos nós?
Seríamos a escuridão de um dia claro
Ou claridade a faltar na visão?

Teu gosto está entranhado em meus lábios
E eles querem mais, meu amor
Querem o vinho de teu desejo e o sufoco
Após o beijo. Querem a repetição que não se cansa.
Querem dançar a mesma valsa
É tudo vida

E eu não quero, meu amor, a liberdade
Quero prender-me em tuas grades
Ser escrava de teu amor e refém de teu silêncio
Com orgulho anunciar-te minha rendição
E sermos um em dois
Dois em um
Claridade a faltar na visão.

[21.08.09]

domingo, 16 de agosto de 2009

Sem rimas

– Analice Alves

Contigo vai um pedaço de mim
E comigo fica tudo o que és:
o começo de tua vida e o fim
daquilo que não tivemos
da cabeça aos pés

Vais como nuvem passageira
Chuva de verão que nos refresca
e parte em busca de outras brisas
Vais como o fogo que nos aquece do frio
- brasa no chão

Contigo vai uma parte de mim
Comigo fica o teu todo
O completo abrigo do teu peito
Coração, corpo e alma
Lábios agitados de dor e prazer

Vais como viajante indeciso
Em busca de lugares e amores errantes
Parte como um navio sem destino
Um barco sem leme

Contigo vai a maior parte de mim
Comigo fica a tua vida inteira
Em mim o rio onde nadavas quando menino
Em ti o alívio pra dor que me mata

Vais como a gaivota perdida
A procura de outros ares
Vais com tudo o que é meu
E me deixa incompleta
- preenchida.

O grão de areia feito cisco em nossos olhos
A distância como pedra em nossos sapatos

Contigo vai tudo o que me formei
Em corpo e em mente
Em músculos e livros, palestras
E comprimidos

Comigo fica a essência do teu ser
O teu projeto de vida, a procura por
Outras marés.

Tudo aquilo que é teu e, por isso, é meu:
aquilo que somos.

Vais como vento breve
Chuva forte e abraço terno
Vais de mãos dadas com minha alma
A navegar por mares incertos

Tudo muda, meu amor
Veja o tempo que hoje faz
O vento que me congelava é combustível
a me levar ao teu cais.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Amor eterno

– Analice Alves

Amor meu,
Se sigo o infinito que me deste
e no final não cheguei ao final,
tendo em vista ser o inexistente,
juro que me iludo com certas palavras
e choro pela ausência de um amor eterno.

Sinto que me queres, sim, sinto.
Mas muito mais amor e saudades guardo eu em meu peito aberto.
Quero teu cheiro, teu suor, tuas ironias.
Quero brigar contigo como almas íntimas que se ferem sem motivo.
Onde estás? Quando voltas? Não sentes pena de mim?
Sinto que no fim das contas tudo é ventania
e meu ponto final é mais exclamativo
do que teu nome pronunciado por minha boca a cada volta inesperada.

Se eu te amo? Perguntas tolas e óbvias
não têm vez em meus pensamentos.
Se perco meu tempo a te amar,
se perco meu vento a respirar teu cheiro
e se estas perdas pra mim são ganhos,
é claro, meu amor, eu te amo.

(30/07/2009)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Eu não

– Analice Alves

Tudo foi embora
E como o tudo engloba o nada
Fiquei sem tudo e sem nada

A morte chegou e levou não apenas a vida
Mas a morte das pequenas coisas
Que faria minha poesia

E tudo foi embora: o corpo do homem que amo
As filhas gêmeas que não tive
E a cicatriz curada com álcool barato

A morte chegou e levou não apenas os vivos
Mas os mortos que me apareciam à noite
Debruçados na varanda a sussurrar em meus ouvidos

E tudo foi embora: os sonhos realizados e os planos
Ainda no papel. Os avós envelhecidos e os fetos
Ainda perdidos em meu ventre feito arranha-céu.

A morte veio sem medo, sem dor. Agonia maior
Senti em vida quando dei o primeiro beijo ou perdi
O apartamento em leilão. A morte veio e eu não.

Não entendi o seu grito. Fez-me um “psiu”, fingi que
Não era comigo. Mas ela me chamou pelo nome, apontou-me
com um dedo de fogo e sabia mais sobre a vida do que a própria.

E ela pula amarelinha, se enturma com as crianças e sente
Pena de as levar consigo. Os adultos estressados no trânsito,
Coitados, não são dignos de pena. Merecem um susto.

E eu fui embora. Com medo, a ouvir gritos de longe.
Alguém a me chamar do outro lado da ponte. Era o corpo
Do homem que amo e as filhas gêmeas que não tive.

- Era o futuro.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Proesia do Desejo

- Ana Lee C. e Pedro Igor

É quando a noite cai, silente,
e quando a voz resolve, em sussurro
seguir a lua que se ergue novamente
contra o mesmo eu de sempre, então urro.

E a lua me mostra os teus olhos, meu menino
Como bolas de gude com direção certa a atingir meu peito
A admitir ser frágil e fraco, nascido cansado
E pronto pra ser meu de direito

E esse estranho dueto feito à lua
reveste dono e possuído com fervor
de modo que pela branca luz e nua
as mentes de ambos era mente de amor.

Amor revestido de agonias simplórias
Visto como batalha e não como vitória
Uma luta contínua da qual saímos vencidos
Feito poemas rabiscados, num cômodo esquecidos

E a cada rascunho que fazemos em nós
cresce o desejo por ser quem se é
sem máscaras, conceitos ou voz
Mas ser essência, mesmo que doa, em nossa fé

O que nos separa é mais que uma ponte
É uma fonte insegura, um teto sem chão
Mesmo nua me dispo sem pudor
Minha fé existe, tu és minha religião

E a beleza de cada beijo em verso
contaremos dia-a-dia como em prosa
nossa vergonha será santa e o universo
de nosso desejo será profano como a rosa

sábado, 1 de agosto de 2009

Contrário

- Analice Alves

se o tempo tivesse um contrário
e esse contrário apagasse o que o tempo construiu
eu compraria um bocado desse oposto
gramas, quilos, litros, metros

apagar o que foi vivido
parece feio e contra a natureza que me foi imposta
mas seria o único meio de esquecer tudo aquilo que fui
por você
tudo aquilo que deixei de ser por mim
pra me doar de corpo e alma

as fotos perdidas no chão
são produtos de uma história hoje sem direção e sentido
falta enredo, falta meio e fim
sobram freios

às vezes dá medo mexer no que foi vivido
o passado é um cadáver apodrecido em meu jardim
enrolado num tapete
sujando meu carpete
é tudo aquilo que está esquecido num canto qualquer
e, ao mesmo tempo, está presente como o relógio em meu pulso
como o telefone fora do gancho com a secretária ligada

- o passado manda lembranças

se na mercearia da esquina
vendesse o contrário do tempo
certamente eu compraria
mesmo correndo o risco de perder todo o tempo que me resta
mesmo se fosse caro e eu tivesse de vender meus trajes de agora
e meus pijamas

eu compraria apenas com o intuito de desfazer
o que foi feito
de ter o tempo de ponta cabeça
desescorrendo em meus dedos
o ponteiro correndo ao contrário
o sino a desdobrar.