quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Don't take your love to town


A menina e a cidade – Analice Alves

Quando na janela observava os tumultos externos, ela apoiava a cabeça nas mãos qual criança entediada ou brava com os detalhes dos adultos. Sabia muito bem que observar os carros que passam, as pessoas que correm, as árvores que permanecem, não era nenhuma ocupação importante. Por isso, logo seu pai interrompia a sua auto-análise e pedia um favor à filha. Demorava horas pra perceber que o pai falava com ela. Mesmo fazendo os favores do pai como cortar pedaços de barbantes para fazeres alheios, descascar umas laranjas para uma laranjada ou algo rápido como pegar a escada trancafiada no quartinho de entulhos, continuava viajando em seu mundo particular. Não pronunciava uma só palavra desde que nascera e isso a tornara um tanto boba e era feita de tal por todos os seus. Não comia quase nada, não tinha prazeres enormes, não tinha uma vida propriamente dita. Passava os dias como se eles fossem meras repetições, meros flash back, um replay da vida. O pior de tudo é que ela sabia que a vida dela não era um mar de rosas e que só era amada pela cidade natal. Quando ela chegava na cidade de uma viagem longa ou de um passeio matutino, a cidade abria os braços pra menina, era como se o céu azulasse de repente, como se as pessoas apressadas resolvessem parar para planejar o futuro próximo. Às vezes, até música tocava e a menina muda dançava. A cidade a amava com um sutil agradecimento por ela olhá-la sempre pela janela, por ela, com uma vista peculiar de olhos de águia, ser a única da cidade a parar os seus fazeres para admirar as belezas divinas. Não sabia acordar tarde, na verdade, não tinha noção de tempo. Não tinha muita noção das coisas naturais, apesar de amá-las. A menina que amava tudo ao redor e não era amada pelo todo, às vezes, irritava-se com o amor infinito que sentia por tudo. Sabia que amar tudo não era normal, era chato, antiquado, démodé. A menina que abria a janela e observava o mundo, sabia que enquanto ela envelhecia, a cidade se modernizava.

sábado, 27 de outubro de 2007

Se acaso me quiseres...

Meu coração - Analice Alves

Tenho um coração
Que pode parar
Em cada esquina

Tenho um coração
Que só funciona
Às segundas, terças e quintas
ALMOÇO DE FAMÍLIA – Analice Alves


Enquanto o filho está assistindo ao jogo de futebol de seu time derrotado há tempos, a filha busca consolo aos amores perdidos lendo contos de fada com a vizinha do sexto andar. O marido conserta os aparatos eletrodomésticos resmungando para o filho que nada adianta torcer por um time como esse. O filho ignora as palavras do pai, afinal time é time. A mãe pede ajuda à filha para arrumar a mesa do almoço e a menina de cara feia levanta-se, fecha o livro e vai quase voltando. A mãe, educadamente, convida a menina do sexto andar a almoçar com a família, mas a menina recusa o convite dizendo que é aniversário da avó e todos devem almoçar juntos em sua casa.
Na cozinha a mãe mexe pra lá e pra cá a comida que ninguém sabe direito o que é enquanto o filho com a boca cheia grita bem alto: Puta que pariu! E o pai nervoso com tamanha baixaria puxa as orelhas do menino. A mãe diz que é normal afinal homem diz palavrão mesmo, mulher é que não pode. O palavrão além de ser a vulgarização da língua portuguesa e das outras também, não deixa de ser um desabafo, parece que quando falamos um palavrão todo o nervosismo sai junto com ele. O pai vê que realmente é natural e solta a orelha do filho. A menina sem fome, diz que prefere ficar lendo no quarto, mas logo as boas maneiras não deixam.
Finalmente a hora do almoço chega e eles almoçam felizes e famintos. O pai coitado come e nem sabe ao certo o que está comendo, ou melhor, ninguém sabe o que está comendo. Até que no alto falante na rua ouve-se a promoção do dia, cachorro vira lata ao molho ketchup.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Texto no Blônicas e Desespero de iniciante

Amigos,

um texto meu que já havia sido publicado aqui (Trecho da vida - para contar depois), foi o escolhido para inaugurar a coluna "A vez dos leitores" do site Blônicas http://www.blonicas.zip.net.
Fiquei super feliz, pois sou super fã de todos os escritores e colaboradores do blog.
Obrigada ao Nelson Botter pela oportunidade.

Desespero de iniciante - Analice Alves

Não que a vida
Seja sem graça sem você
A vida em si
Não

Mas quando eu deito
Olho pro teto
E sinto um vazio
Aí sim, me sinto sozinha
Me sinto perdida
Sinto falta...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Seus olhos e seus olhares


SEUS OLHOS – Analice Alves
Seus olhos me transmitem
O que nem eu mesma sei
Caso traga o peito longe de ti
É porque não esqueci
Que um dia te amei

Talvez a distância te faça
Lembrar e a ter saudades de mim
Espero que eu mesmo ausente

Esteja pelo menos presente
Em seu pensamento, por fim.

Talvez o futuro nos programe
Um novo encontro
Uma nova rotina
Uma outra história para contar

Ou talvez o futuro me dê de presente
O esquecimento
E uma nova pessoa para amar.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

No escurinho do cinema


SINOPSE:
Agente federal treina sua jovem pupila quando descobre pistas de uma garota desaparecida. Ele acredita ser a conexão com um acusado de ofensa sexual em liberdade condicional.



Justiça a qualquer preço

Um filme pesado, triste e verdadeiro, ou seja, muito bom.
Tropa de Elite amanhã? Poxa, pelo menos uma pessoa precisa ir ao cinema ver um filme que todo mundo já viu! Há.
=)

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Os poréns


Trecho da vida - Para contar depois – Analice Alves

(Fictício)

“Seu pai foi embora, mas ele te ama”, cresci ouvindo essa frase e, na verdade, não adiantou muita coisa. Minha mãe, coitada, ficou anos tentando me convencer de que o meu pai, aquele homem conhecido apenas por fatos e fotos, ainda, em algum lugar desconhecido, pensava em mim. Minha casa era cercada por fotografias de meu pai. Em todos os poucos cômodos havia pelo menos um retrato dele. Essa era uma das estratégias que minha mãe inventou para, de algum modo, me mostrar que ele estaria sempre presente. Um rosto tão combalido e estranho. Em todas elas, ele está com aquele sorriso forçado exibindo uma felicidade falsa ou, simplesmente, expressando um sorriso exagerado para a pequena e real felicidade. “Seu pai foi embora, mas ele te ama”, às vezes, irritava ouvir tantas repetições de minha mãe, mas eu sabia que tudo aquilo, toda aquela encheção de saco era só pra me ver mais contente. Cresci sem a presença de meu pai, sem telefonemas e incentivos paternos. Descobri os nomes e marcas dos carros por mim mesmo, me interessei pelos times futebolísticos e pelas meninas por minha conta. Sabia que mais cedo ou mais tarde, minha mãe contaria toda a história. Aquela vida cheia de dificuldades que levávamos, eu em colégio público tendo que trabalhar na feira depois, minha mãe ganhando uma miséria como costureira e lavadeira. Essa vida que era feia, mas honesta era fruto do sumiço de meu pai. Minha mãe, uma moça bonita que reservara a sua vida ao homem que viria a ser meu pai, casara virgem, de branco, na igreja da cidade. Aquilo tudo parecia o começo de uma vida de sonhos e, creio eu, ela nunca imaginou que um dia falaria ao filho “seu pai foi embora, mas ele te ama”. O que mais me orgulhava em minha mãe, era o fato de ela nunca ter sentido ou, pelo menos, nunca ter expressado rancor pelo meu pai. Às vezes, quando eu estava distraído fazendo a lição, vendo tevê ou lendo um livro, pegava-a olhando pra mim com um sorrisinho sereno. Ela dizia “agora você fez a cara do seu pai!”. Na infância, imaginava meu pai um homem de barbas feitas e camisa social. Imaginava que jogaríamos bola e falaríamos besteiras, imaginava nós dois pelas lojas enlouquecidos e confusos em pleno dia das mães a fim de comprar algo para a minha mãe. Imaginava ele indo embora, mas com o coração pesado por ainda me amar. Sempre pensei que amor entre pai e filho era puro e simplesmente imortal. Nunca cobrei explicações de minha mãe, se era difícil pra mim como filho, era ainda pior pra ela que se enchera de sonhos no início da nova vida. Quando ela sentou na beira de minha cama e começou a balbuciar o nome de meu pai, entendi que ali, naquela hora, ela contaria tudo. Seus olhos encheram-se de lágrimas, suas mãos tremiam. Olhei no fundo de seus olhos, apertei suas mãos e disse: Meu pai foi embora, mas ele me amava.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Sentimentos aqui dentro não faltam


Soneto do amor pra vida inteira – Analice Alves

Prometo te fazer dormir como um filho
Vagar pelo teu corpo de menino triste
Largar aos pés da cama o meu vestido
Por mais que o meu amor já não duvide

Prometo encontrar em ti a real felicidade
Nunca desmemoriar seu nome e gestos
Não deixar de sentir o que odeio: a saudade
Não confundir seu rosto com outros e mesmos

Prometo te amar de todas as reais maneiras. Te
fazer chorar, te fazer sorrir, te fazer meu homem
Encontrar em meu peito o desespero de um grito

E quando não mais souber como te alegrar e amar
Prometo vagar dia adentro, noite afora, cansada e
feliz, rodar o mundo até encontrar outro artifício.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

O velho sem joelhos





- achei essa música na casa de Rubem (Alves, grande mestre). Chico Buarque não é humano, não pode ser...


O VELHO
Chico Buarque
1968


O velho sem conselhos
De joelhos
De partida
Carrega com certeza
Todo o peso
Da sua vida
Então eu lhe pergunto pelo amor
A vida inteira, diz que se guardou
Do carnaval, da brincadeira
Que ele não brincou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
Só a caminhada
Longa, pra nenhum lugar
O velho de partida
Deixa a vida
Sem saudades
Sem dívidas, sem saldo
Sem rival
Ou amizade
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me diz que sempre se escondeu
Não se comprometeu
Nem nunca se entregou
E diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
E eu vejo a triste estrada
Onde um dia eu vou parar
O velho vai-se agora
Vai-se embora
Sem bagagem
Não se sabe pra que veio
Foi passeio
Foi Passagem
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me é franco
Mostra um verso manco
De um caderno em branco
Que já se fechou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Não
Foi tudo escrito em vão
E eu lhe peço perdão
Mas não vou lastimar