sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sempre existiu cantando

Hoje, finalmente, foi a apresentação oral do meu trabalho sobre a transmutação musical dos poemas de Hilda Hilst feita por Zeca Baleiro. Um peso a menos em minhas costas, um ensinamento a mais em minha vida. Descobrir os poemas de Hilda foi, mais do que um conhecimento literário, uma lição de vida e de poesia. Afinal, ser poeta é um ofício. As músicas foram musicadas de modo magnífico e nem uma prova de latim básico II tirou o bom humor que tomou conta do meu dia por conta deste trabalho. Além de tudo, acho que quem lê e conhece meus poemas, sabe que sofri uma influência grande da Hilda Hilst, ou melhor, tentei imita-la, tentei ser a Hilda, mas isso é tarefa impossível e voltei às raízes.


Dez chamamentos ao amigo - Hilda Hilst

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei.
E há tanto tempo
Entendo que sou terra.
Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu.
Pastor e nauta
Olha-me de novo.
Com menos altivez.
E mais atento.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Céu

"...e eu vi, Júlio, que era só soletrar teu nome que tu logo voltarias como um raio com direção certa em meu peito"


Teatro dos vivos – Analice Alves

O tempo, eu sei, passa
E o que fica é saudade
E sentimento
Tristeza e dor pelos que foram
Recomeço

O vento, eu sei, passa
E o que fica é tempestade
E pouca brisa
Tristeza e dor pela euforia do sol
Poesia

E eu penso nos motivos da vida
Nos destemperos e esperanças
Vejo que estou num teatro vivo

Se no final a solidão pula a janela
Só me resta cobrir de azul celeste
Um céu mais negro do que ela.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O dom

- Analice Alves

Tens medo de ver o que tenho em mim
A potência do meu corpo e o calor do meu
Suor

Sei que sabes os meus segredos mais absurdos
Mas finge não saber e logo lhe digo:
Enquanto estás na largada
Já estou na chegada
A perigo

Sei que não tens o dom da fala
Apenas pronuncias o meu nome
Mas tens um falo e um coração
Que bate quando a camisa aberta

Quero a vida das prostitutas inocentes
Que batalham com o prazer
Sem senti-lo

Quero o mundo dos prostitutos inválidos
Que enaltecem os músculos e peles
Já flácidos

Aquilo tudo que eu já tive
Os horários perdidos por ti
As unhas postiças que não me servem
- meus dedos estreitos
a camisola de lã que me destes
teu corpo.

Quero amar por amar
Sem medo de não ser feliz
Amo a todos e a ninguém
Amo a ti

Quero qualquer coisa sem compromisso
O cigarro já apagado por um sapato velho
Ser o inseto na sopa, uma mosca em teu banheiro
Ser mulher em tua cama
Respirar sobre o teu peito

Quero errar por errar
Sem medo da falta de acerto
Erro muito, admito
Erro por receio

Quero qualquer coisa com atitude
O choro espontâneo de um torcedor fanático
O que permanece quando o livro se fecha
O cigarro tragado por inspiração
Ser uma mosquinha em teu banheiro, o inseto na sopa
Fazer-me mulher em teu leito.
Ser saliva em tua boca.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Soneto

Die sache ist so, weil man es sagt – Analice Alves

Amor, pode ser que daqui a algum tempo
Você sinta a necessidade de me reencontrar
E aí será tarde, pois nem eu sei onde estarei
Talvez aquecida pelo sol ou levada pelo vento

Sei que entrei na degradação da linguagem
Não sei mais dizer e apenas falo por falar
Tenho vergonha dos sentimentos covardes
Mas me orgulho de ter amado, de ter vivido

O tempo, coitado, ele já não me acompanha
Voa como um pássaro perdido no horizonte
Escapa feito pétala de flor sensível e abstrata

E eu, meu amor, já não incluo seu nome em
meu canto. Não nos arrependamos. Se o amor
aconteceu, foi porque sempre acreditamos.