segunda-feira, 19 de maio de 2008

As luzes escuras de um coração suburbano

– Analice Alves

Sempre odiei o fato de ele acender a luz durante o dia. O sol invadindo a casa e ele transformando-a numa pequena Paris. Irritava-me todo esse desperdício que não parava por aí. Vez ou outra, acordava com barulhos de águas escaldantes. Ele dava descarga a troco de nada em todos os banheiros da casa, mesmo quando estavam mais limpos do que ele. Não adiantava dizer nada. Ou brigávamos ou discutíamos. Sua presença, na maioria das vezes, me causava repugnância, vontade de não voltar só pra não ter que olhar pra cara dele ou não ter de ouvir aquela voz agoniada que me agoniava também. Eu tinha pena de sentir aquilo por ele, sentir algo tão estranho e ruim por uma pessoa, seja lá quem, é angustiante pra mim. Quando ele anda pesado pela casa, o chão treme e eu fico nervosa, achando que ele está mais bravo do que de costume. Quando ele me olha. Ah! Quando ele me olha...eu não sei se é aprovação ou reprovação, não sei se ele vai começar a falar sobre assuntos chatos ou reclamar de uma vida que ele diz ter. Era bastante egoísta e eu tinha muitos argumentos pra provar isso, mas ele tinha muitos outros que comprovavam o contrário. Ele não sabia que era a pessoa que mais me fazia sofrer. Chorava 30 dias no mês, sendo 20 por brigar com ele e 10 por tristeza de não conseguir perdoá-lo pelos erros mais incompreensíveis da minha vida. Tinha vergonha das próprias fraquezas e acabava transformando-se numa pessoa pouco humana, uma bomba relógio que explode em tempos distintos. Não dá pra prever. Era ameaçador encará-lo, tudo nele me reprimia. Palavras mais ou menos ofensivas, ditas por ele era avacalhador. Era uma imagem tão severa que tudo nele tomava maiores proporções. Lutei a vida inteira para conseguir evoluir nesse ponto, mas é mais fácil aprender japonês em braile do que perdoar certas coisas. Queria muito ser melhor pra te perdoar e vivermos uma vida feliz, queria muito não ser eu pra conseguir enxergar amor e felicidade no fim desse túnel. Já mudei tantas coisas, já perdoei tantas pessoas, não costumo guardar mágoa. Desculpe-me, por favor, mas não consigo te perdoar.

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